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“É UM MOMENTO EM QUE A GENTE CONSEGUE NOSSO ESPAÇO ENQUANTO”, DIZ PROFESSOR INDÍGENA SOBRE LIVROS ENTREGUES PELO IPEDI PARA ESCOLAS INDÍGENAS DO PANTANAL


“É um momento em que a gente consegue recuperar nosso espaço enquanto escola, enquanto professores, enquanto educadores”, diz o especialista em Educação, coordenador municipal das Escolas Indígenas de Miranda, Celinho Belizário. Em primeiro plano, o professor Anésio Alfredo Pinto (autor do volume “O homem pajé”, que compõe a coleção) e o professor da aldeia Cachoeirinha Edilson Antonio. Foto: Luciano Justiniano/IPEDI



“Precisamos ir além. Queremos reeditar o Kalivono e sistematizar ainda mais materiais, para dar suporte aos professores indígenas”, diz Denise Silva, presidente do Ipedi. Foto: Luciano Justiniano/IPEDI


O indígena Januário da Silva, que traduziu, adaptou e cantou o Hino Nacional em idioma terena. Foto: Luciano Justiniano/IPEDI


“É muito orgulho estar fazendo parte desta história”, disse a secretária Municipal de Educação e Cultura de Miranda, Walquiria Bitonti, que viabilizou o uso nas escolas municipais dos livros produzidos pelo Ipedi. Foto: Luciano Justiniano/IPEDI



“Nunca me esqueci dos caminhos percorridos até aqui”, lembra o diretor da Escola Nicolau Horta Barbosa, o índio, com mestrado na área de educação, Aronaldo Júlio. Foto: Luciano Justiniano/IPEDI

O Hino Nacional traduzido para a língua indígena terena e cantado por um indígena, durante cerimônia especial preparada por uma escola localizada numa aldeia, dirigida por profissionais indígenas graduados, com professores indígenas qualificados e comprometidos em repassar para os alunos, além das matérias tradicionais, os saberes tradicionais indígenas.

Quem vê este quadro, na Escola Municipal Indígena Polo Nicolau Horta Barbosa, na aldeia Cachoeirinha, em Miranda, no Pantanal de Mato Grosso do Sul (MS), não imagina que, há alguns anos, a situação era outra.

“Quando eu cheguei aqui pela primeira vez [no início dos anos 2000] tinha uma combi que trazia professores não- indígenas da área urbana de Miranda para dar aula. Nem sempre esses professores vinham. A estrutura era precária, esses professores tinham que trazer água pra beber. Nem sempre tinha merenda”, relata, emocionada, a professora Denise Silva, presidente do Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural (Ipedi), lembrando do cenário de descaso com a educação escolar indígena que o Ipedi encontrou e como, ao longo dos anos, a organização ajudou a mudar esta realidade.

O cenário descrito no início da matéria - com Hino Nacional cantado em terena –  foi montado para celebrar mais uma conquista para a educação escolar indígena no país: a entrega de uma coleção de livros bilíngues, com textos sobre a cultura indígena, para serem usados como suporte em sala de aula pelos professores de aldeias terena do Pantanal – em Miranda são 9 aldeias, com cerca de 2 mil alunos terena.
A coleção Itukeovo Terenoe, composta por quatro livros, foi escrita por autores indígenas, orientados pelo Ipedi. O Ipedi viabilizou recursos para a produção de 1500 unidades da coleção, totalizando 6 mil livros. O financiamento ocorreu por meio do Fundo de Investimento à Cultura (FIC), do Governo de MS.

“A equipe do Ipedi faz a diferença nas comunidades indígenas”, diz a professora Maísa Antonio, uma das co-autoras dos livros.

“Este troféu é o começo de mais uma vitória que está vindo na nossa frente” celebra o professor indígena Odilson Canale Felipe, também co-autor da coleção.

Ter um livro bilíngue, que conta saberes tradicionais indígenas numa linguagem simples e direta, focada nas crianças, significa muito para os terena. Houve uma época em que os estudantes indígenas eram proibidos de falar o idioma terena, “só podiam falar em português”, lembra o diretor da Escola Nicolau Horta Barbosa, o índio, com mestrado na área de educação, Aronaldo Júlio. “Nunca me esqueci dos caminhos percorridos até aqui”, reforça o professor, que acaba ser aprovado para o doutorado.

Os livros, a qualidade dos professores, os esforços para melhorar a educação escolar indígena. “É um momento em que a gente consegue recuperar nosso espaço enquanto escola, enquanto professores, enquanto educadores”, diz o especialista em Educação, coordenador municipal das Escolas Indígenas de Miranda, Celinho Belizário.

Na escola Nicolau Horta Barbosa os livros foram entregues no dia 09 de outubro. As coleções serão usadas como suporte para professores, especialmente para os responsáveis pela matéria Língua Terena, que compõe o currículo escolar local.

Embora esteja no currículo, o ensino da língua terena é difícil, mesmo para os professores indígenas. Muitos deles já não falam mais o idioma. Isto é sintoma de uma língua que está em vias de ser extinta, segundo parâmetros da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura).

Além de professores que não falam fluentemente o idioma, outro problema é ausência de material didático específico que possa ser usado em sala de aula para desenvolver o ensino da língua. Nesta lacuna o Ipedi atua diretamente. Primeiro, ao ter produzido, com professores indígenas, o Kalivono, um livro consumível que pode ser usado em séries iniciais. Agora, os livros da coleção Itukeovo Terenoe ajudam a complementar esta ausência de material didático. “Mas precisamos ir além. Queremos reeditar o Kalivono e sistematizar ainda mais materiais, para dar suporte aos professores indígenas”, diz Denise Silva.

“É muito orgulho estar fazendo parte desta história”, disse a secretária Municipal de Educação e Cultura de Miranda, Walquiria Bitonti, que viabilizou o uso nas escolas municipais dos livros produzidos pelo Ipedi. “A educação é transformadora, importante na vida das minorias”, disse a secretária.

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