Pular para o conteúdo principal

PESQUISA REGISTRA MITOS INDÍGENAS QUE ESTÃO SENDO EXTINTOS

A lua cheia iluminava o céu daquela noite. Um grupo de pequenas indiazinhas brincava em frente à morada. Elas cantavam alto. De repente, a Mãe da Noite, a Vanunu, laçou, lá do alto do céu, uma das meninas.
De dentro da morada a mãe ouviu os gritos e, correndo em desespero para fora, pôde ver a cena terrível: a filha, amarrada pelo pescoço, sendo puxada para o alto. Desesperada, a mãe grita e pula em direção à filha que vai sendo puxada impiedosamente por Vanunu. A mãe agarra-se à perna da menina, tentando trazê-la de volta à terra. Mas Vanunu é mais forte e, num último ato, puxa a menina com toda a força para o alto, fazendo que a perna em que mãe se agarrava fosse arrancada do corpo da indiazinha, que desapareceu no alto. Mas a perna arrancada deixou uma ferida que sangrava tanto que do céu começou a chover sangue.
A mãe encheu baldes do sangue da menina que caía do céu.
Então, depois da chuva de sangue,  a pobre mãe da indiazinha chamou os passarinhos para pintá-los com o sangue da filha. Os pássaros foram sendo pintados e o sangue acabando, quando chegou o papagaio que, percebendo que o sangue estava no fim pediu: ‘então pinte apenas as pontas das minhas asas’.
Por último, chegou o gavião que queria pintar-se também. Mas o sangue havia acabado, o que revoltou o gavião. “De agora em diante vou comer passarinhos vivos”, vociferou, saindo a voar para o oeste.
Esta é uma reconstrução de um dos mitos indígenas contados entre as mulheres anciãs terenas. Mitos como este, além de outros saberes tradicionais existentes hoje apenas na mente dos mais velhos, estão desaparecendo para sempre, conforma estes anciãos vão falecendo, levando consigo, parte da identidade do povo indígena terena.
Alguns destes mitos estão registrados graças ao trabalho acadêmico da indígena Bastiana Floriano Tiago, da aldeia Tereré, localizada no município de Sidrolândia, cidade que fica a pouco mais de 70 quilômetros de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.
Eu seu trabalho de especialização pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (Uems), Bastiana trata dos mitos terena contados pelas mulheres mais velhas.
“Como indígena Terena, sei que os mitos contados pelo meu povo, servem de ponto de referência para nós, sustentando nossa cultura e reafirmando a nossa história”, diz Bastiana em seu trabalho.
Bastiana é aluna do curso de Especialização Lato Sensu em Língua e Cultura Terena, da Uems, iniciativa que tem a participação do Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural (Ipedi).
A presidente do Ipedi, pós-doutora em Linguística, Denise Silva, foi a orientadora da pesquisa de especialização de Bastiana, que é professora indígena e pretende usar todo seu aprendizado para otimizar o trabalho que desenvolve com seus alunos na escola indígena em que atua.

Moradora da aldeia indígena terena Terere, em Sidrolândia, Bastiana teve orientação da presidente do Ipedi, Denise Silva, em sua pesquisa de especialização.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Bruaca: vivências e produtos culturais

 O projeto Bruaca é uma iniciativa comunitária, desenvolvida nas comunidades tradicionais do Pantanal que se desenvolve por meio de ações de pesquisa, documentação e divulgação do saber ancestral dessas comunidades por meio de vivências e produtos culturais. Nossa iniciativa busca a valorização do Patrimônio Cultural Material e Imaterial das Comunidades Tradicionais do Pantanal de MS. Desenvolvemos ações de pesquisa, documentação e divulgação do saber ancestral dessas comunidades por meio de vivências e produtos culturais (materiais e imateriais). A iniciativa configura-se ainda como uma alternativa para a geração de renda dessas comunidades que, por estarem distantes da cidade não possuem meios para comercializar seus produtos. A comercialização de vivências como a produção de artesanato com um indígena, almoço na casa de um agricultor, o passeio de barco com um pescador; observação de aves na aldeia são alguns dos produtos oferecidos pela marca, soma-se a isso a comercialização i...

Crianças indígenas de aldeia terena voltam a praticar ritos e danças tradicionais esquecidos

Crianças que não conhecem cantos e instrumentos tradicionais; que não praticam ritos tradicionais. Ritos e danças tradicionais fadados a desaparecer com os anciãos à medida em que estes vão, pouco a pouco, falecendo. Não é mais este o cenário que encontramos na aldeia indígena terena Babaçú, no município de Miranda, no Pntanal de Mato Grosso do Sul. A aldeia é exemplo de que a união e o trabalho em conjunto podem promover a verdadeira transformação da comunidade. Lá, na Babaçú, em 2016 e 2017 o Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural (Ipedi) foi mentor do projeto Sons da Aldeia, uma iniciativa comunitária que, com patrocínio da associação Brazil Foundation, desenvolveu atividades relacionadas ao resgate da cultura tradicional indígena terena junto a alunos da escola local. Os resultados do trabalho são sentidos quando se verifica que atos rituais que já não faziam mais parte do dia-a-dia das crianças tenham voltado a ser realizados, tais como o batism...

CONHEÇA O FÁBULAS DE ESOPO EM TERRAS TERENA, LIVRO DO IPEDI QUE SERÁ APRESENTADO NA FEIRA LITERÁRIA DE BONITO (FLIB)

O livro Fábulas de Esopo em Terras Terena é  o resultado de um trabalho que vem se desdobrando e oferecendo cada vez mais frutos para o resgate da língua e da cultura indígena terena. Desde 2012 o Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural (Ipedi) desenvolve nas comunidades indígenas de Miranda, no Mato Grosso do Sul, o projeto Kalivono, uma iniciativa pioneira em se tratando de educação escolar indígena, com a capacitação de professores e a produção, por eles próprios, de material didático bilíngue. O Kalivono veio para ajudar a preencher a lacuna que é uma das principais dificuldades encontradas na educação escolar indígena: a escassez de material didático que fortaleça o ensino da língua materna.  A maior conquista do projeto, no entanto, foi o de despertar nas comunidades indígenas uma significativa melhora da autoestima, do orgulho da cultura e da identidade. Inspirados pelo Kalivono, educadores indígenas passaram a protagonizar iniciativas de resgate da língua e ...